Toy Story 3


Toy Story 3
Por Pablo Villaça

Dirigido por Lee Unkrich. Com as vozes de Tom Hanks, Tim Allen, Joan Cusack, Ned Beatty, Don Rickles, Michael Keaton, Wallace Shawn, John Ratzenberger, Estelle Harris, Jodi Benson, Laurie Metcalf, John Morris, Blake Clark, Javier Fernandez Pena, Timothy Dalton, Bonnie Hunt, Whoopi Goldberg, R. Lee Ermey, Richard Kind
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Um claro sinal de que uma obra ressoou junto ao público, deixando uma marca, pode ser observado quando temos a oportunidade de reencontrar seus personagens: se nada sentimos ao rever os velhos rostos – ou se esperamos que a história se desenvolva para que tiremos nossas conclusões sobre o reencontro -, a maior probabilidade é a de que não tenhamos estabelecido ligações afetivas maiores com aquelas figuras; por outro lado, se imediatamente experimentamos a agradável sensação de nostalgia diante da revisita e pensamos alguma coisa como “Por onde vocês andaram, velhos amigos?”, é inquestionável que estamos diante de algo que nos cativou. Toy Story 3 desperta este último sentimento desde seus momentos iniciais.

Sem se limitar à tentação de ir pelo caminho mais fácil e transformar o capítulo final da trilogia em uma espécie de “melhores momentos” dos episódios anteriores, o filme roteirizado por Michael Arndt (Pequena Miss Sunshine) a partir de argumento concebido por John Lasseter, Andrew Stanton e pelo diretor Lee Unkrich dá prosseguimento lógico ao universo de Woody (Hanks), Buzz (Allen) e Jessie (Cusack): se ao final de Toy Story 2 o boneco cowboy já antecipava o crescimento de seu dono Andy (Morris), aqui reencontramos os personagens mais de uma década depois, quando o menino, já crescido, se encontra prestes a partir para a faculdade. Confinados ao baú há anos, os brinquedos restantes traçam estratégias que levem Andy a reencontrá-los, manifestando imensa emoção a partir de pequenas vitórias (“Ele segurou em mim!”), mas finalmente são obrigados a reconhecer que seu destino é a lata de lixo, a doação para alguma creche ou o sótão – opção que, vejam só, é a preferida da turma, que, assim, poderia permanecer próxima ao velho dono. No entanto, um engano leva Woody e seus amigos à creche Sunnyside, onde conhecem novos brinquedos e passam a enfrentar novos dilemas e perigos.

Sempre eficiente ao retratar o imaginário infantil, a série Toy Story mais uma vez prova sua sensibilidade ao abordar este universo já em sua seqüência inicial, quando vemos os brinquedos através dos olhos de Andy – e, assim, é comovente quando logo constatamos o rápido crescimento do menino através de vídeos caseiros que o retratam ao longo dos anos. Com o velho papel de parede que traz nuvens brancas em um céu azulado agora completamente coberto por cartazes que denunciam os novos interesses do garoto, o quarto de Andy pouco lembra aquele reino de brincadeiras e aventuras dos filmes anteriores – e a maldição de seus velhos brinquedos é que, apesar de todas as mudanças em seu mundo, eles permanecem fundamentalmente os mesmos, vivendo em função do garotinho ao qual foram presenteados há tantos anos.

Não que Andy agora seja um adulto frio e sem imaginação, já que um dos méritos do belo roteiro reside justamente em sua sensibilidade ao compreender que envelhecer não é um processo fácil. Assim, embora antecipe a partida para a faculdade e a nova etapa em sua vida, Andy sente uma dificuldade clara em abrir mão de seus velhos companheiros de brincadeira, que, de uma maneira ou outra, simbolizam a inocência de um período do qual ele não gostaria de se despedir completamente – e esta resistência do garoto é um dos aspectos mais tocantes do longa. Enquanto isso, para Woody e Buzz, o prazer da brincadeira tem menos o caráter de diversão do que de propósito de vida: devotados a trazer alegria para seu dono, os bonecos sentem a ansiedade de um destino não cumprido quando se encontram guardados – e o belo plano em câmera lenta que exibe a alegria de Woody ao voltar (mesmo que temporariamente) às mãos de uma criança é eficiente não só por expor a carência do boneco, mas também por refletir a satisfação de um indivíduo que, depois de um longo tempo, redescobre sua verdadeira vocação (uma sensação mágica com a qual todos podemos nos identificar).

Com o preciosismo técnico costumeiro nas produções da Pixar, Toy Story 3 mais uma vez exibe o talento da equipe de John Lasseter para evocar sensações e atmosferas apenas através de seus aspectos visuais – e neste sentido, a creche é um exemplo soberbo de design de produção: vista inicialmente como uma espécie de paraíso dos rejeitados, ela surge com amplos e ensolarados espaços que, investindo em cores básicas e fortes, evocam a esperança dos brinquedos de voltarem à ativa – e é admirável que, com apenas algumas mudanças na fotografia e na inclinação dos quadros aquele mesmo ambiente assuma tons ameaçadores e hostis. (É claro que a trilha de Randy Newman colabora para estabelecer estes climas dissonantes.) Da mesma forma, o aspecto encardido dos brinquedos que lá se encontram, somado aos defeitos que servem não só para torná-los mais verossímeis, mas também para ilustrar seus temperamentos (reparem o olho caído do “bebê”), comprovam a inteligência dos realizadores na concepção dos personagens.

Investindo numa narrativa que combina com perfeição os instantes de maior emoção com outros incrivelmente divertidos (incluindo referências a obras como Rebeldia Indomável e ao curta Tin Toy, primeiro projeto da Pixar), Toy Story 3 consegue até mesmo a proeza de fazer funcionar uma daquelas velhas montagens em que vemos um personagem experimentando várias roupas, sendo bem sucedido também ao trazer Buzz mais uma vez acreditando ser um patrulheiro espacial sem que isso soe apenas como uma idéia reciclada dos capítulos anteriores. Além disso, o roteiro bem amarrado explora com talento as diferentes características dos personagens ao longo do terceiro ato, quando cada um desempenha uma função adequada aos seus “talentos” particulares (esperem até ver a figura grotesca – e hilária – na qual se converte o Sr. Cabeça-de-Batata).

Com um clímax de tirar o fôlego e durante o qual as coisas parecem se tornar exponencialmente mais desesperadoras, Toy Story 3 é capaz de, num instante, levar o espectador a apertar os braços da poltrona em função da tensão, a rir no momento seguinte e a derramar abundantes lágrimas logo em seguida, apresentando-se como uma montanha-russa emocional de fazer inveja a muitos projetos voltados ao público adulto – e o estoicismo daqueles pequenos brinquedos diante de uma ameaça que julgam intransponível é uma imagem que, confesso, não esquecerei tão cedo.

No final das contas, porém, Toy Story 3 quer mesmo é divertir, usando todas as armas à sua disposição para isso, da “vaidade” do boneco Ken à covardia do dinossauro Rex, passando pelos ímpetos de heroísmo de Buzz, pelo gênio estourado de Jessie, pelo cinismo do Porquinho e pelo mau humor crônico do Sr. Cabeça-de-Batata. E no meio de tudo isso, o estabanado Woody e seu imenso coração.

Coração este que, à sua própria maneira, confere alma a mais esta belíssima obra da cada vez mais impressionante Pixar.

Observação: Durante as cenas que surgem durante os créditos finais, há uma bela homenagem ao mestre Hayao Miyazaki através da “ponta” de seu icônico personagem Totoro.

Observação 2: O tradicional curta-metragem que antecede o filme é o primeiro projeto cinematográfico que não consigo sequer imaginar em 2D. Intitulado “Dia & Noite”, ele simplesmente não funcionaria da mesma forma sem a dimensão adicional.


16 de Junho de 2010

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