A Sombra do Samurai
Realizado por Yamada Yoji
Japão, 2002 Cor – 00 min.
Com: Sanada Hiroyuki, Miyazawa Rie, Kobayashi Nenji, Tanaka Min, Osugi Ren, Fukikoshi Mitsuro, Ito Miki
Japão, 2002 Cor – 00 min.
Com: Sanada Hiroyuki, Miyazawa Rie, Kobayashi Nenji, Tanaka Min, Osugi Ren, Fukikoshi Mitsuro, Ito Miki
Japão, final do Período Edo. Iguchi Seibei (Sanada) é um samurai viúvo que vive numa pequena aldeia, com a mãe e duas filhas pequenas. Ao baixo escalão a que pertence corresponde um rendimento reduzido, insuficiente para cuidar da família. De dia trabalha para o Senhor, efectuando registos e inventários contabilísticos, e o tempo que lhe sobra é aplicado em tarefas do lar, agricultura e artesanato. O seu estilo de vida fá-lo ganhar a alcunha de “Tasobare” (crepuscular) e faz com que Seibei se torne descuidado no que toca à higiene e ao aprumo adequados à sua posição. Iinuma Tomoe (Miyazawa) é vítima de violência doméstica e divorcia-se do marido, após o que começa a frequentar a casa de Seibei, de quem é amiga de infância, e a ajudar nas tarefas do lar. O irmão dela, Michinojo (Fukikoshi), sugere que se casem. Entretanto, Seibei ganha notoriedade como espadachim e é compulsivamente convidado para uma missão de onde poderá não voltar.
«Tasogare Seibei» foi um sucesso de bilheteiras no Japão e na Ásia. O filme de Yamada Yoji, que também co-escreve o argumento, adaptado da obra do escritor Fujisawa Shuhei, foi considerado o Melhor Filme Asiático nos Hong Kong Film Awards e falhou duas das 15 nomeações para os prémios da academia japonesa, sendo galardoado com as principais distinções, incluindo Melhor Filme, Melhor Realizador, Melhor Actor e Melhor Actriz. Esteve também presente nos prémios da Academia das Artes Cinematográficas Americanas, na categoria de Melhor Filme Estrangeiro (prémio que acabaria atribuído a «As Invasões Bárbaras», do Canadá), num ano onde, curiosamente, também competiu «O Último Samurai». Para além do termo que se repete nos títulos, os filmes passam-se na mesma época — «A Sombra do Samurai» antes da Restauração Meiji, que marca o declínio e a extinção destes guerreiros; o veículo de Tom Cruise, durante o seu início — e ambos contam com a presença do actor Sanada Hiroyuki. O público do Far East Film Festival de Udine elegeu «A Sombra do Samurai» como melhor filme em competição na última edição desse evento, onde emocionou uma vasta plateia (e três balcões).
Sanada, à beira dos 44 anos, “discípulo” de Sonny Chiba, foi um actor prolífero em filmes de acção durante os anos 80, no Japão, mas também em Hong Kong, (creditado como Henry Sanada, para o mercado internacional), de onde nos lembramos sobretudo de «Ninja in the Dragon's Den» (1982) — ao lado do “ex-futuro Jackie Chan”, Conan Lee — e «Royal Warriors» — no início da carreira de Michelle Yeoh, interpretando um polícia japonês em busca de vingança. Com o passar dos anos, o actor deixou de estar tão associado ao cinema de acção, sendo usado no cinema “arthouse” de Ichikawa Jun ou no horror de «Ring» (1998). O seu próximo filme é um épico histórico realizado pelo chinês Chen Kaige, com a estrela de Hong Kong Cecilia Cheung Pak-chi e Jang Dong-gun, da Coreia do Sul.
Sanada não precisaria de provar a sua versatilidade ou que sabe representar, mas a sua presença é crucial para que o 77º filme de Yamada Yoji, conhecido no seu país pela realização de quase todos os títulos da célebre série “Tora-san”, funcionasse perante as audiências. Ele dá vida a uma personagem raramente vista num filme de samurais, alguém só preocupado com o seu dia-a-dia, sem qualquer ambição ou ensejo de fuga à rotina, não considerando sequer que poderá ter outros talentos e que os mesmos lhe permitam dar melhores condições à sua família. Está longe de ser o herói típico — mas como saímos do âmbito do “cinema de acção” essas “normas” deixam de vincular as personagens —, tudo fazendo para evitar destacar-se da mediania e banalidade, perante os seus líderes. A renitência em cumprir a missão que lhe é atribuída e que conduzirá ao impressionante final, até surpreende e poderá, de algum modo, incomodar, na medida em que Seibei poderá parecer covarde aos olhos do espectador. Não o é; é conformista e dedicado de corpo e alma à família (que seria das duas crianças pequenas e da velhota senil sem ele?), ao ponto de considerar não poder aceitar o amor de Tomoe — ou a mera utilidade da sua presença numa casa desgovernada.
O título e o poster podem induzir espectadores mal informados em erro (mas a culpa da má informação é de quem?), ficando à espera de um filme de acção movimentado ou pelo menos com uma ou outra batalha épica, plena de violência e sangria a tingir o ecrã. Mas estamos antes perante um drama que por acaso se centra numa personagem que é samurai. O texto toma o seu tempo, apresentando demoradamente a rotina diária de Seibei. Os laivos de modernidade são frequentemente referidos, mas talvez seja um exagero falar-se em “revisionismo”. Os filmes de época nunca deixaram de permitir tecer comentários sobre a sociedade do presente e «Tasogare Seibei» não está desligado do Japão dos dias de hoje. Como se disse acima, o “género” é apenas o pano de fundo; a personagem de Seibei não está distante de um contabilista num escritório de uma Tóquio moderna. A época onde a acção se passa é importante na medida em que representa uma viragem de costumes na sociedade nipónica, anunciando a democratização e a abertura ao exterior. Não estamos habituados a ver, num filme desta natureza e passado nesta época, uma mulher a divorciar-se — um elemento que é tratado casual e naturalmente pelo guião, que nos poupa a questões processuais. O “conformismo”, a aparente inacção da personagem principal, também pode ser visto como uma forma de resistência (passiva) perante tradições que deixam de fazer sentido, à medida que as sociedades evoluem, como esperar que um guerreiro caído em desgraça tenha a decência de se suicidar e que o clã tenha de o convencer à força.
Este é pois um “drama samurai”, que enternece mais do que entretém, envolve e seduz com a sinceridade de um punhado de personagens, ao invés de impressionar com os gritos e com a brutalidade das lâminas afiadas. Mesmo o confronto com o “vilão” — ou a personagem que num filme de género ocuparia esse papel na estrutura convencional: Zenemon, interpretado por Tanaka Min — contribui para esta caracterização da obra de Yamada, que apostou num registo realista nos embates com espadas. Tal como o guerreiro usa a lâmina como extensão do braço e do corpo, o realizador usa a infrequente acção como extensão do drama. O poder dramático do filme revela toda a sua força com a sua capacidade de comover em modo posfácio, com uma voz off que fala do futuro, mal nos dando tempo de digerir o final presente.
Assistam pela 1000 vezes igual eu.
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